terça-feira, 10 de maio de 2011

Existencialismo de Sartre: a antesala do inferno




“Se um certo Jean-Paul Sartre for lembrado, eu gostaria que as pessoas recordassem o meio e a situação histórica em que vivi, todas as aspirações que eu tentei atingir. É dessa maneira que eu gostaria de ser lembrado.”


Este foi o apelo que o grande existencialista ateu fez cerca de cinco anos antes de sua morte. O pensamento de qualquer pensador está profundamente arraigado na sua própria experiência de vida. As influências sofridas por cada um determinam em muito o seu modo de pensar. É impossível desvencilhar-se da própria bagagem que a vida nos impôs. Daí se dizer que cada homem é produto do seu tempo.


Com a maior parte de sua obra escrita durante a segunda grande guerra, Sartre teve material farto para compor sua ode à desesperança. O seu tempo foi marcado por grandes e dramáticos eventos. Suas idéias chegam a nós como um protesto de revolta diante das catástrofes absurdas a que foi submetida sua geração. Talvez seu conceito sobre Deus possa ser resumido pelo silogismo que segue:


“Se Deus fosse bom, ele desejaria tornar suas criaturas perfeitamente felizes...”


“E se fosse todo-poderoso, ele seria capaz de fazer o que quisesse...”


“Mas as criaturas não são felizes.”


“Portanto, a Deus falta a bondade ou o poder – ou ambas as coisas.”


É mais ou menos assim que se apresentam alguns dos argumentos que refutam a existência de um Deus bondoso. A presença indesejável do mal no mundo sempre foi um problema de difícil compreensão. Segundo o argumento acima exposto, não pode haver nem um deus bondoso nem um diabo perverso, pois a presença do primeiro teria que necessariamente aniquilar a ação do segundo, o que, aparentemente, não acontece.


Vivi em Israel por cerca de um ano e meio e lá encontrei alguns sobreviventes da longa noite de horror que a Alemanha nazista impôs ao mundo de maneira geral, e sobre os judeus de forma perversamente específica; Ainda que o nazismo tenha perseguido e martirizado poloneses, ciganos, homossexuais e prostitutas de modo igualmente odiável, a história publica com mais ênfase a tragédia judaica. Depois do inominável genocídio a que foram submetidos, muitos judeus tiveram uma dificuldade imensa de continuar crendo na existência de uma divindade bondosa a governar o mundo.


O antiqüíssimo problema do mal emergiu como um monstro hediondo das águas escuras dos séculos e desferiu um golpe demolidor sobre a geração de Sartre. Assimilar o conceito de um deus todo-poderoso a governar o destino dos povos tornou-se um desafio insuperável para muitos daqueles que presenciaram as atrocidades de uma era como aquela. Diante de certas vicissitudes alguns perdem a fé; apaga-se o lume da esperança, esmagada pelo evento trágico e sem explicação. Resta nestes casos a perplexidade, a expressão de pasmo perante o que só poderia ser classificado como absurdo!


A geração de Sartre passou por duas catástrofes causadas, na leitura do existencialismo, pela loucura da livre escolha dos homens. Nem deuses nem demônios tomaram parte na empreitada sinistra. Em verdade, concluíram, não há deuses ou demônios. O homem é livre e sua vontade é a responsável por moldar o mundo e ditar o ritmo e o rumo de indivíduos e nações em sua marcha pela história.


Observando os extremos a que pode chegar o homem, as ações absurdas que pode levar a cabo, o flagrante desequilíbrio na balança da equidade, Sartre conclui que o problema do mal não é de ordem metafísica; não é produto da emulação de seres fantásticos de outras dimensões. Sua filosofia dispensa qualquer noção de deuses ou demônios e desemboca num humanismo radical, onde o homem, e somente o homem se torna o protagonista do seu pequeno drama.


Deixado sozinho, a mercê da própria sorte, o homem terá que fazer-se. Torna-se responsável por aquilo que é e não deverá atribuir a nada nem a ninguém seus infortúnios. Se alcançar sucesso, o fará graças tão somente aos seus próprios méritos, se porventura naufragar nas ondas do fracasso não terá o direito de lamentar-se, projetando sobre outrem a responsabilidade dos seus desacertos. Terá que fazer suas escolhas, posicionar-se e arcar com os custos, sejam quais forem suas conseqüências.


Descartada a possibilidade da eternidade e de acertos de contas morais na pós-história, como ensina o cristianismo, o existencialismo procura aliviar o dilema humano, selando hermeticamente toda e qualquer fresta por onde possa se intrometer a espiritualidade com sugestões de juízos ou benesses vindouras. Em outras palavras, não há tal coisa como uma continuidade entre tempo e eternidade. Há que aferrar-se ao tempo e fazer-se como bem se entende.


O existencialismo ateu de Sartre faz do mundo uma absurda ante-sala do inferno! No fim acabam tendo mesmo razão: É uma questão de escolha.


4 comentários:

  1. Eu acho Sartre um dos filósofos mais incoerentes, mas não é por ele ser ateu, nem fazer uma antessala do inferno. São por outros motivos que infelizmente eu não vou conseguir expor agora, porque já tem um certo tempo que o estudei e formulei essa crítica. Mas você está falando de um filósofo, logo deve criticá-lo em termos filosóficos. Como o seu argumento é cristão, e Sartre era anticristão, todo ele vai por água abaixo porque seria analisado por qualquer um dos seus seguidores como uma visão pretensiosa. É perfeitamente compreensível a sua crença, mas é isso. Pode ter certeza que o ateísmo de Sartre não é baseado nesses aforismos simplistas e tolos que você citou aí, assim como eu tenho certeza, o seu cristianismo não é. É uma questão de escolha, e é bobagem julgar.

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  2. Wilmar Fernandes da Siva Júnior17 de maio de 2011 às 08:33

    Que se leve em consideração o tempo em que viveu sartre... mas, a propósito, se há um deus bom, porque existiria o mal? talvez ele esteja certo de que devemos congratular a nós mesmo pelos nossos méritos e reconhecer nossa falha diante de nossas desgraças! É muito cômodo atribuir os acontecimentos a entidades superiores sem antes mesmo passar pelo nossa razão... Se existe um Deus, este talvez seja apenas o Grande Impulsor, proposto por Aristóteles... quem define nosso presente e futuro somos nós mesmos, e tudo e mérito nosso!
    Tenho Dito!
    Wilmar Fernandes,

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  3. Creio que o julgamento feito pelo autor do texto que postei não foi exagerado, mas bastante justo. Houve sim, certa falha ao debater na esfera pística algo da esfera filosófica. Mas ressalto que não são aforismos simplistas, mas possíveis verdades sobre a influência na filosofia sartriana. A ideia de uma moral laica é absurda. Algo mais próximo disso seria um assustador Frankenstein feito de "braços", "cabeças" e "pernas" éticos de cada indivíduo. Esse "ser" ordinário seria incapaz de sustentar uma sociedade civilizada.

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  4. E quanto ao admirador de Aristóteles, não há o que falar de uma filosofia que defende uma "causa final" ou "causa primeira" de todas as coisas, sendo essa inválida para questões realmente relevantes, como o homem e o universo.

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