segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Selo

Vi nossos postais como quem abre um sorriso pela primeira vez. Na estante empoeirada jaziam nossas primeiras últimas lembranças. Havia areia em meus olhos. Acordei na madrugada com os pés frios, descobertos. Nossa cama estava fria como se muitas águas nos roubassem o calor. 
Abri meus olhos devagar: eu tinha as pestanas carregadas com peso de mil chumbos. Tornei a fechar os olhos, querendo selá-los até a eternidade. Pisquei-os repetidamente para afastar as moscas volantes. Meus músculos, antes relaxados, começavam a ser contraídos e, assim, levantei-me da cama. Cocei a cabeça, prendi meu cabelo com o prendedor azul-marinho que facilmente encontrei na cômoda – o que não queria encontrar jamais. Meu cabelo ficou triste, assim preso. 
Meus verdes olhos, que segundo você eram de uma ressaca capitulesca, estavam profundos, fitos no reflexo do espelho. Me vi translúcida: como Narciso eu quis mergulhar – não para perder-me, mas para encontrar-te. 
Pensei nos seus braços, tocando minha pele, assim como eu o fazia agora, e alegrei-me, esperando seu retorno. Seu corpo fluido, corredeiras de afagos, beijos quedas-d’água.
Quando comemorávamos nossas primeiras bodas na praia, você me deu um prendedor azul-marinho e mergulhou. Após minutos, não havia espaço em seus pulmões. O mar o tinha invadido. Lua no céu, sua alma na terra, seu corpo no mar. Seu corpo fechado, carta enviada à terra. 
Foi então que desisti de mais sentir. Decidi: na terra não há mar. 
Meu bem, estas são as últimas palavras que escrevo. Peço que não me abandone. Meu amor, para sempre sê-lo.

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